quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Bicho Besta - Poema de Wilian Fernandes Pereira



Meu gato se interessa
pelo cheiro das minhas
entranhas,
sinceramente assim
pesquisa o mundo...

Nem sempre a ciência
vence a cultura.

Verdade não é critério
suficiente, nem sempre
necessário. Bizarro.

A função da cultura é
preservar sua própria psicologia
e identidade,
então a cultura, para não
explodir subitamente, pow!,
deve conter a ciência?

Ou apenas esperar,
incomodada como uma lagarta
virando borboleta,
até que a cultura amadureça
e receba a nova ciência?

Dizem que os animais
não têm cultura, mas se esquecem
de que somos animais

fedorentos,
ciumentos,
endo-culturados...
preconceituosos,
sensuais,
irados e
gozosos.

Quase que nem meu gato,
o cheiro das entranhas
me atrai, os revolveres
das tripas da vida.

Suas emoções, ciclos de humores,
temas principais, questões,
trânsitos e transações.

A função das entranhas
é constituir qualquer coisa,
seu miolo é arcabouço,
víscera e osso.

A beleza estética é uma construção
cultural; tripa ser coisa feia
é falta de uso visual,
ou ojeriza natural,
repulsa instintiva?

Sim, existe instinto.

Pesquisa-se o mundo
de olhos abertos mas bem direcionados,
nariz empinado, ouvidos seletivos
e coração...

Nem sempre a cultura é corrupta
a ponto de estagnar a ciência.
Há no animal-humano
uma ardência de saber, e isto
o impulsiona a evoluir,
mesmo contra "sua vontade".

A nova psicologia é
tão velha quanto os mundos,
e os sóis são todos Deuses para alguém...

Uma identidade difusa
se constituirá de corajosos
ridículos ou ridiculáveis,
inocentes, psicóticos e/ou redimidos,
e mesmo dentre dores imensas,
nascerá o inevitável amanhecer.

Transformar-se agora é
modinha. Graças a Deus:
TV, LSD, álcool, DMT, THC
e outras "drogas", além de
w.w.w. que é #God e good

Há cultura até mesmo
no vôo das abelhas,
no enrolar das trombas
dos elefantes, nos olhos
da vaca, na casa
da formiga. Há cultura

no lobo solitário,
no pedaço de toco queimado,
no capim que ninguém nunca viu,
na minhoca entranhada
em Gaia.

De que tanto vale nossa humanidade
de ódio, petróleo, dólares e
fome mundial?

De tibetanos quemando-se vivos,
de palestinos sem água nem Estado,
de africanos famintos,
asiáticos sufocados,
americanos quebrados,
banqueiros mentirosos,
velhas ratazanas e
milhões de novas crianças por dia?

Já o homem humano
não se enxerga mais.
Só nos bichos
(e nas tragédias e bestialidades)
pode agora humanamente
ver-se...

Abraçar como um filhote inocente,
olhar como um boi manso,
ou como tigre em paz, resolvido,
cheirar igual a cachorro,
espreguiçar que nem felino,
e desistir de saber, matar e controlar...

Eh...

Mas, oh!!!, há fome e egoísmo,
e precisamos trabalhar pela segurança,
DUZENTAS HORAS POR MÊS, tá bom?

Dizem que tudo isso é "normal"
e que é "a nossa cultura",

bilhões de animais escravizados
(uns pelos outros, fora as conspirações).

De tão puto e cansado,
ninguém quer mais saber de nada.
Porra, eu trabalho o dia inteiro
e vem você me torrar com pensamentos?

Filosofia o caralho, cadê o feijão na mesa?

Existe um egoísmo ?auto-justificável?,
um ?necessário? e um ?insustentável?.
Já pensou nisso?

Nosso método tedioso de viver
(assegurando-nos de não-viver)
acomoda-se com fantasias
e hipóteses, tá bom, vamos lá?!
Mal se fala de cerne, kernel,
TUTANO, ?Realidade?.

Pelo medo que o imenso
inspira, lucramos com
enfeites e graças,
poluindo a Terra com nossos
lixos, calças plásticas, absorventes,
camisinhas, pneus, sacolas,
gases, pensamentos, agrotóxicos,
emoções negativas, doenças, etc.

Para ?remediar?o problema:
ENTERTAINMENT neles!
Êêêêêêêêêêê, né?

Impõe-se um ?belo? monstruoso,
autoritário, uma Ditadura do Consumo.

Separemos, poeticamente:

O básico ou comunista,
que dá dignidade básica,
casa, comida, roupa, escola, etc.

O médio ou pessoal,
realizações, desejos, sonhos,
projetos, empreendimentos.

O luxo de castas,
socialmente disposto a demarcar
?classes? e definir ?poderes?.

Por fim, o suicídio coletivo:
lavagem cerebral, epidemia de solidão,
amores líquidos, alienação, exploração máxima,
exaustão do corpo e da mente,
distração, compulsão, tabagismo,
e toda uma ?Civilização? de recursos.

Que beleza são os poemas
livres e inúteis!

Instintivamente, queremos saber,
sem mesmo saber direito o quê,
e queremos poder fiar na ciência,
mas isso é um luxo, uma ferramenta precisa:
o bisturi do método é indispensável
e perigoso. Deforma ou constrói, ao uso.

Há além disso níveis e níveis de cultura
e modalidades de ciências tão profundas
que incomodam, ?quase? alienígenas.

Não pense, pois, caro passante,
que um gato não faça poemas porque não escreve,
ou que um tigre não os recite com seu ?miau?
só porque você não entende.
É preciso ser sapo pra cantar no brejo.

Nem pense que um ser humano
vá se dispor a percorrer as entranhas
(quaisquer que sejam)
pois elas são ?feias?, ?quentes?, e ?obscuras?,
e o ?belo? está na TV,
lembra?

A vida, grande processo ?impessoal?,
paradoxal e ?pessoalista?,
incorpora-se e salta de banda,
rindo como um Macunaíma ou Zé Pilintra,
toda de branco, como um Avatar
malemolente que vem representar a sabedoria
dos trópicos (tristes?), e diz:

?--- Eita bicho besta, sô....?

Seu olhar de ternura sarcástica
é pura compaixão.
A vida dá as costas e vai pitar seu fumo de Angola.

Cínica!

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