domingo, 25 de novembro de 2012

Escritor e tipógrafo ouro-pretano estampa poemas em papéis jogados pela janela e flerta com a fotografia

Leandro Couri/EM/D.A Press

Sobre a mesa, o livro Escutem este silêncio, do poeta catalão Joan Brossa com tradução de Ronald Polito, e a companheira inseparável, Lana, uma gata charmosa que não se faz de rogada. Chega de mansinho, ronronando e se acomoda, numa “cara de pau deliciosa”, justamente em cima do bloco de notas da repórter. “Gosto dessa bagunça do gato. A presença dele sobre a seriedade que tentamos impor às coisas. Como agora, quando ele se debruçou, sem a menor cerimônia, sobre o seu caderno de anotações e de lá não saiu”, analisa o poeta, editor e tipógrafo ouro-pretano Guilherme Mansur, de 54 anos.

Mesmo acometido por doença degenerativa genética desde a adolescência, que causa perda progressiva da força muscular, e vivendo numa cadeira de rodas há 10 anos, Guilherme é extremamente dinâmico, e de sua cabeça brota, a cada dia, uma ideia inusitada. Ele está sempre se preocupando com a linguagem. “Sou um poeta que acaba pulando a cerca, ocupo lugares que não me pertencem. Mas faço tudo em nome da linguagem, que é o que me interessa”, enfatiza ele, que é também artista gráfico e foi o responsável pela reforma gráfica do Suplemento Literário de Minas Gerais.

Guilherme Mansur, que começou a publicar nos anos 1970 num movimento conhecido como Arte Postal — em que havia troca de trabalhos de diversos artistas por correspondência — está envolvido em vários projetos. Um deles é a exposição Estalactites tipográficas, que ficou em exposição em São Paulo, no mês passado, e esta semana passa a fazer parte da programação do Fórum das Letras de Ouro Preto. Ao compor, com tipos móveis digitalizados, poemas do expressionista alemão August Stramm, traduzidos por Augusto de Campos, ele destaca a materialidade da poesia por meio de intenso contraste entre tipos art nouveau e marcas da mídia eletrônica.

Leandro Couri/EM/D.A Press
  Da varanda de sua casa, em Ouro Preto, passou a fazer cliques dacidadee dos moradores, como um voyeur
A convite da escritora Guiomar de Grammont, o “tipoeta”, como foi apelidado por Haroldo de Campos, tem trabalho sobre poesia a ser feito com o poeta Ricardo Aleixo, que deve ser concluído em breve, assim como uma iniciativa que o está empolgando bastante, o Bamboletras, caixa com alfabeto feito de ferro a partir da fonte futura. “Fiz esse projeto em parceria com a Fábrica, de Contagem,empresa do designer Ivar Siewers, que produz móveis e objetos assinados. Essa caixa é uma tradução gráfica da África Mineira. O alfabeto é baseado no bambolê. A forma é toda circular. Na caixa está a alegria do barroco, presente no sincretismo religioso da África mineira, traduzido em cores, curvatura nesse objeto quadrado, feito de minério de ferro”, explica.






Chuva de letras: Com cinco livros de poesia publicados, Guilherme Mansur costuma brincar que foi alfabetizado por uma caixa tipográfica, já que sua família é proprietária de uma das gráficas mais tradicionais da cidade. Uma de suas criações mais interessantes, e que deve ganhar mais uma edição este ano, é a Chuva de poesia, que desde 1994 lança das torres das igrejas da antiga Vila Rica centenas de pedaços de papel colorido, com poemas estampados. “Não tem muita regularidade esse projeto, assim como a chuva de verdade. Chove quando tem que chover. Certa vez, coincidiu e caiu um pé d’água na cidade na hora da Chuva de poesia. Quando os fiéis saíram da missa, inverteram as sombrinhas só para poder recolher os poemas. Foi bem bacana”, lembra.

A chuva é apenas mais um exemplo da maneira diferenciada como o poeta encara a poesia. “Tudo pode virar poesia. Versos, ação, performance, happening. Eu a entendo de uma forma ampla e não me reprimo”, costuma dizer. E em alguns casos, chega até a “explorar” a sua imobilidade em nome da arte. No ano passado, ficou horas dentro de uma escultura do artista basco Eduardo Chillida, em um museu em Berlim, na Alemanha. A experiência inusitada rendeu o poema Wo ich bin (Eu estou). No mês passado, repetiu a dose, dessa vez na Praia da Ponta da Fruta, no Espírito Santo. O trabalho se chamou Eu é um outro, inspirado no poeta francês Arthur Rimbaud. Guilherme conta que passou 24 horas nas pedras contemplando o mar. A ideia é também escrever sobre a performance. “Foi uma tentativa de me transportar para outro lugar. Eu, que estou acostumado a igrejas, minério de ferro e sou um homem das montanhas, de repente, fui transportado para o lugar de outro som, outro cheiro. Senti um misto de sensações como angústia, solidão, alegria, sono. Mas uma lucidez profunda e uma vontade de ampliar meus horizontes e de procurar pela linguagem, que é a minha constante busca”, resume


Fonte: http://www.divirta-se.uai.com.br/

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